Hoje é só isto...

Esta semana não dá para mais, Eu gostava - e queria - mas não tenho espírito para pensar em parvoíces...

Só me resta mesmo deixar os votos convictos e completos de sinceridade para que tu que me estás a ler agora tenhas um fim-de-semana melhor que aquele que achas que seria mesmo bom. Já agora, também estendo estes votos aos outros que escolheram não vir até aqui (por falta de conhecimento, ou por uma compreensível e mais que aceitável falta de paciência).
Bom fim-de-semana


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É o que se deve fazer...

"Slobodan Milosevic vai ser enterrado sábado no jardim da propriedade da família em Pozarevac, depois do município da cidade natal do antigo Presidente jugoslavo ter dado autorização."

Ora aqui está o exemplo perfeito de uma das regras básicas que se pode encontrar em qualquer manual das boas práticas de jardinagem: estrumar a terra...


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Não percebem nada disto (nem Eu)

Esta coisa das OPAs já me anda cá a azucrinar o miolo: mas porque é que lhes continuam a chamar OPAs (Ofertas Públicas de Aquisição) se na prática aquilo são GOLPADAS (Gulodices Oportunistas Logradas Por Administradores Decididos A Saquear)?


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Quarta (raio me parta) - convidado: eu (com "e" e não com "E")

Alguma vez isto tinha de acontecer... O que se passa é o seguinte: infelizmente não sou só Eu que mando aqui - também eu tenho opinião, e uma das coisas que eu impus foi que queria ser um convidado nestas coisas (não mEu, mas meu, aproveitando o espaço para vaguear um pouco na escrita). Foi isto que surgiu dessa experiência, espero que gostem, e Eu quero desde já desculpar-me por pôr no mesmo saco eu e os mEus convidados, mas não tive mesmo escolha – ou punha o meu texto aqui ou não o publicava de todo (e eu não queria isso).

Aproveito para dizer que esta “temporada” de convidados acaba aqui – ficaste em último que te lixaste! – mas espero poder voltar com novos parceiros da esfera (assim haja tempo para os convites seguirem). Muito obrigado a todos os que participaram (quem escreveu, leu e comentou) nesta série; da minha parte foi algo de muito inspirador (o resto fui dizendo ao longo do processo, e é tudo verdade).

(agora se alguém quer mesmo arriscar, é ler o que está em baixo; mas dêem um descontozito, que eu sou um bocado chato, digo Eu)


coisas da Vida

Vida é uma prostituta de meia-idade que estou acostumado a ver passar - ou melhor, eu é que passo por ela - à beira dos mais variados caminhos e estradas. Desde de que tenho noção de mim, tenho ouvido insultos, elogios, indiferenças e devoções extremas quando a tentam descrever, apesar disso, com o tempo e com a rotina das passagens fui-me habituando a guardar dela uma imagem interessantemente imponente, ainda que algo desgrenhada e por vezes monótona…

Um destes dias parei e resolvi aproximar-me; não para usufruir dos seus prazeres, tão simplesmente para tentar conhecê-la um pouco para além daquilo que me parece ser. Acedeu à minha curiosidade sem hesitar. Estranhou tal desinteresse no deleite, mas acedeu conceder-me um pouco de si (a troco de algo, que, como me fez questão de vincar, referindo-se a si própria na terceira pessoa "Não se leva nada da Vida sem dar algo em troca").

Foi no mínimo enriquecedor. Respondeu às questões com que a interpolava, sempre de forma sábia e sucinta
"Posso ser o que quiser" fez saber "Contudo, mantenho-me nesta actividade porque acho ser a que melhor caracteriza o meu comportamento. Acabo por não me mostrar completamente a quem me usa; cobro sempre o que me fazem e o que faço; e quando quero descanso e limito-me a ver o tempo desgastar-me"

O meu deslumbramento irradiava cada vez mais, à medida que ela se mostrava e eu a descobria, e às tantas, no meio daqueles ensinamentos incessantes com que me alimentava a alma, perguntei-lhe se não a consumia o facto de ser constantemente injuriada e incompreendida. Sorriu-me tranquilamente, refugiou-se num esgar mais travado pela timidez, e lá me satisfez a curiosidade "Não, e sabes porquê? Porque tenho muitos filhos, e infelizmente não vou conseguindo tratar todos da mesma forma. Confesso até que tenho sido injusta para alguns, e lamento o mal que lhes posso causar, mas também, se uns não têm culpa de serem filhos da Vida, muitos são os que me chamam puta e merecem ter uma mãe assim. Há coisas que dependem de cada um; a culpa não é só minha, alguns, se não se dão melhor comigo é porque não querem, e não porque não podem. E depois destratam-me e maltratam-me. Em relação aos outros...lamento, como disse, mas a justiça não é um dos meus valores mais queridos." E continuou de seguida com um brilho mais alegre e orgulhoso "Mas olha que também há muita gente satisfeita, há sim senhor! Principalmente a clientela - e até são bastante mais - há quem se orgulhe de me conhecer e de me ter experimentado. Pagam, por vezes preços demasiado elevados, mas voltam satisfeitos; e desses é que eu gosto. Quer dizer, gosto de todos, mas os que me valorizam recebem mais de mim, naturalmente"

Não pude (nem posso) deixar de ficar inebriado com tamanha disponibilidade e, por mim, continuava ali parado a contemplar a Vida e a entranhar tudo o que via e ouvia, porém, antes que as dúvidas me continuassem a sair da boca, e vendo todo o meu entusiasmo desmesurado, olhou-me cá para dentro dos olhos, e soprou-me até ao coração “Calma, não queiras saber tudo de uma vez. Tens tempo, e eu também. Ainda havemos de nos encontrar muitas vezes, não me tentes conhecer tão depressa. Verás que se souberes de mim aos poucos conseguirás compreender-me melhor e sem precipitações de julgamento…” Acatei sem reservas, porque apesar de ainda a conhecer tão superficialmente, de alguma maneira confio nela, e posso dizer que para mim, nesta breve experiência, a Vida foi uma amiga - e espero que continue a ser, que eu vou voltar. Sempre.


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rapidinha : Às vezes...

... gosto de andar sozinho - não perco ninguém e encontro toda a gente; ao mesmo tempo, não encontro ninguém e perco-me de toda a gente

(mesmo de quem Eu não quero)


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Seca

1.
Esta pessoa não chorava. Não que não sentisse, não que não doesse, mas a pessoa não chorava.
"Não penso muito nisso, deve ser um capricho qualquer dos meus olhos" costumava dizer.

Não pensava aquela pessoa, mas começaram a pensar as outras, já que todos viviam num sítio onde as lágrimas eram muito importantes; mais importantes que a beleza das coisas e dos sentimentos. Muito mais importantes que as próprias pessoas.
2.
Ali, quem decidia sobre tudo e todos era um Mandão que respirava lágrimas, o que obrigava toda a gente a carregar sempre um pequeno copo para recolher tais preciosidades, as suas e as alheias. Uns faziam-no para agradarem ao Mandão; outros a pensar que agradavam; e outros arrastados por o resto. No fundo todos o faziam menos ela, a pessoa.

Aos poucos e aos muitos este não-choro propagou um incómodo na maralha, sobretudo no Mandão, e, num esforço concertado, tudo começou a ser feito para que daqueles olhos saísse uma lágrima que fosse, como se a vida de toda gente dependesse disso. Não dependia, mas era como se sim. Até o Mandão conspirou. Contaram-lhe histórias, magoaram-lhe a alma e o corpo, roubam-na, levaram-na a voar por gelos e fogos, iluminaram-lhe os olhos, mataram, morreram... e nada. Nenhum líquido salgado ou insonso brotou daqueles globos pintados com verde.
3.
Todo aquele alarido afastou-a, entristeceu-a, redundando numa decisão espontânea e instintiva - empurrada pela raiva, começou a correr. Correu. Muito. Sempre. Até não ver ninguém nem nada. Até à solidão; até ao esquecimento; até si...
4.
Quando finalmente parou, vencida pelo cansaço das pernas e pela ilusão da liberdade, a pessoa reparou estar junto a algo, que, sendo quase ínfimo, se destacava na imensidão daquele vazio. Não era uma flor, mas parecia. Tratava-se de uma pequena cipsela de gotículas que brilhava todas as cores, cheirava a todos os perfumes, assobiava todas as sinfonias. Pegou-lhe delicadamente, num gesto que atravessou o ar sem o mexer.

Porém, ao suspirar a fadiga, com um suave sopro desintegrou a cipsela numa imensa nuvem de um fino pó que se espalhou por todo o lado entranhando-se nas narinas, na boca, nos olhos - nos olhos. Subitamente, talvez por irritação talvez por outro motivo qualquer, aquela intrusão provocou uma... lágrima, pequenina, que rapidamente caiu até se misturar com o pó espalhado pelo chão.
5.
Quando voltou a abrir os olhos, a pessoa reparou que estava cercada por infinitas cipselas que brilhavam, cheiravam e melodizavam como a original. Sorriu...
(Sorriu?)

FIM

(...para os mEus filhos, enquanto esperávamos no carro um dia destes...)

O beijo da mulher-lesma

(aviso intermitente: o texto que se segue poderá desencadear imagens mentais chocantes aos leitores enojadiços)

Quem não se lembra do "provocador" filme de Hector Babenco «O beijo da mulher aranha» (1985) protagonizado pela escanzelada morena Sónia Braga, pelo ido esbugalhado Raul Julia (artistas que deveriam ter aproveitado a ocasião para trocar de apelido, a bem das suas próprias carreiras) e pelo envergonhado William Hurt? Eu lembro-me pelo menos 3 vezes por dia, e nos dias que preenchem o fim-de-semana essa lembrança chega a florir cinco vezes. Para mim foi um filme marcante, não só porque sabia que o título mais cedo ou mais tarde me iria fazer falta - como agora está a acontecer - mas, sobretudo, porque naquela altura para a minha inocência pueril a dona Braga representava aquilo a que os pedopsicólogos chamam tecnicamente de “referência a gaja boa”.

Uso a memória do tal título para relatar algo que mudou a minha segurança e confiança nessa pratica tão inevitável quanto familiar: o beija-velhas.

Galgando as circunstâncias, que para o caso não interessam, o que se passou foi que, sem mais, Eu vi-me embaraçado nas malhas da contingência de ter de celebrar o ritual da saudação luso-popular com uma digníssima representante das idades mais avançadas. Nada pelo qual nunca tivesse passado e muito menos a última vez que tal se passará (hão-de sempre haver velhinhos que andaram connosco ao colo, por mais que nós próprios vamos envelhecendo), e todos sabemos como os idosos não gostam de volatilizar os beijos, muito pelo contrário, fazem questão de os entregar no seu devido lugar, assim num instinto semelhante ao que leva os grandes felinos a urinar nas árvores para marcarem a sua dominância territorial. Mas esta foi definitivamente traumatizante!

A anciã em causa apresentava uma pujança salivante que não lembrava a um bulldog, e tudo, mas mesmo tudo, neste cosmos parece ter concorrido para a minha desgraça, até a ausência de dentes numa boca que aparenta estar propositadamente desimpedida de obstáculos para poder descarregar o visco da forma mais desbragada possível. Vai daí... Eu nem sou capaz de dizer, acho que já apanharam a ideia.

Foi assim o mEu encontro com aquela que para sempre ficará colada (é a expressão) na minha memória como a mulher-lesma – alguém que usa o visco para causar o escorregamento das recordações mais agradáveis que podemos ter dos anciãos, e como substancia que corrói a estrutura da confiança no relacionamento social futuro com os seus parceiros etários.

Eh velha babosa! Para ser uma bisnaga de cuspo só lhe falta a tampinha! Ainda parece que sinto a gosma a escorrer-me pelas bochechas e a querer infiltrar-se teimosamente pelo colarinho da camisa adentro. Livra! Livrem-se!


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Mete lá isso!

Hoje Eu vou ensaiar uma ideia mais peregrina que o próprio falcão: inventar um diálogo (sim porque Eu nunca inventei nada nesta minha vida de “escrita”, relato tudo como realmente é ou ainda me chamariam mentiroso, ou, pior, inventor ou inventivo).
E nada melhor para começar que simular uma conversa que poderá acontecer em qualquer parelha acasalada dos tempos modernos (reparem que não referi casal, para não criar ilusões duma heterossexualidade, que para aqui não é determinante). Cá vai:

...
- mete lá isso aí, vá
- não meto
- porquê?
- não cabe
- não cabe??? Entra bem...Como sabes que não cabe? Ainda nem experimentaste. Eu acho que cabe...
- não cabe! E se estás convencido anda cá tu mete-lo
- eu não! Tu é que o tens nas mãos! Só o trabalho de me mexer daqui, estou tão bem aqui quietinho... Se fosse o outro já o tinhas metido, agora como é o meu...
- Pois ao outro já estou habituada, e para além disso não é esta bisarma... Para quê esta enormidade? É sempre um problema para o meter em qualquer sítio, já reparaste?
- olha, a tua mãe nunca se queixou, e o teu irmão também não... Vá lá, põe lá isso. Estamos atrasados e eu sei que cabe, senão não te estava a dizer, já o meti em “buracos” muito mais apertados, e coube. Queres que te ajude?
- NÃO CABE! NÃO METO! Da outra vez também disseste que me ajudavas e quando te bati, devagarinho, ainda ficaste todo enxofrado; e não entrou, como te lembras...
- pois, mas quiseste-me lá atrás, e assim nunca mais! Hoje só ponho a cabeça de fora e ajudo-te daqui, o resto fazes tu... Vá lá, caraças, antes chegue aí alguém...
- és chato! Não o vou meter aqui, pronto!
- ah! Olha mete onde quiseres, mas despacha-te que estou a ficar impaciente.
- tu e as tuas pressas. Por isso é que nunca venho. É sempre esta azáfama. De certeza que quando vens sozinho despachas-te logo à primeira e não estás com este problema da indecisão onde o hás-de meter, metes em qualquer lugar e pronto, ou nem metes o que ainda é pior; já sabes que eu não sou como tu; que estas coisas me preocupam; isto não é para meter assim em qualquer lado, e muito menos com impaciências, assim só me enervas. Estamos a perder tempo, daqui a nada nem aqui nem em lado nenhum… tem calma que havemos de conseguir.
- pois, pois... "Tem calma", mas eu é que fico aqui a desesperar... anda lá com isso.
- olha vou pôr aqui.
...

(como é lindo partilhar o amor e a arte de estacionar nas ruas duma grande cidade)

Bom fim-de-semana


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Quarta (raio me parta) - convidado: Carlos Estroia

Ingredientes para hoje:

Duas mãos cheias da alucinação genial de Morrison
Três doses da eloquência frenética de Tarantino
Algumas porções da imaginação inesperada de Kafka
Todas as cores de Disney
Uma pitada de muita coisa
Aromas e Lágrimas q.b.

Acende-se o lume da vontade – forte - e deixa-se a mistura ferver até queimar a sensibilidade. Toma-se quando ainda a fervilha na alma, degusta-se várias vezes e, por fim, absorve-se aos poucos cada palavra, cada frase, cada parágrafo... aí têm, as Sátiras de Carlos Estroia:
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O violino

A minha alma vive no fio da navalha. Vive no estreito fio que separa trevas abismais de uma loucura azul e suave. A solidão apossou-se de mim, o silêncio afastou-se, vivo no seio de pensamentos ruidosos. O meu tormento acalma-se no vazio magistral de uma musicalidade passada, recordações vagas de uma melodia outrora materializada. Quero julgar que fui um salvador, mas todos os meus pensamentos me levam a uma terrível conclusão: fui o carrasco.

Tinha 14 anos quando meu pai me levou para aprender a arte de construtor de violinos, com o grande mestre António Estrada.

Naquela altura já António Estrada deixara de comercializar os seus famosos e apetecíveis violinos, tinha-se «refugiado» longe da alta sociedade, na aldeia de P…. situada nos montes de H… Não havia ainda qualquer estrada para a aldeia, subimos a montanha, eu e o meu pai, a pé, por caminhos agrestes cobertos de neve. A neve começava a derreter, deslizando em pujantes cascatas pelos precipícios. Não fosse o rufar do meu coração e as conversas com o meu pai, pensaria que o manto branco que cobria as infindáveis montanhas tinha engolido todas as vozes do mundo. As quedas de água apesar da intensidade e violência com que embatiam nas rochas não respingavam qualquer som audível. Subimos sempre envoltos num silêncio gélido. Lembro-me de ter tapado os ouvidos para escutar o meu interior e assim afastar o pânico absurdo da surdez.

Foi com enorme alegria que avistamos a aldeia. Penetramos pela única rua que existia, senti um alívio tremendo em ver pessoas que trabalhavam harmoniosamente nas suas quintas, finalmente tinha deixado a solidão dos montes impregnados de puro silêncio. Alguns dos habitantes cumprimentavam-nos com simpáticos acenos de cabeça. Perguntamos a um habitante que ali passava, onde ficava a casa do mestre Estrada, o homem respondeu-nos sem qualquer palavra, embora de um modo afável nos tivesse apontado a direcção. Vislumbrava-se dali a casa do mestre, erguia-se contra o céu no pico de um monte rochoso.

Chegamos ao cimo do monte e logo fomos recebidos pelo mestre de uma forma muito agradável, o mestre tinha sido grande amigo do meu pai, razão pela qual me aceitava como seu aprendiz. O mestre nunca teve qualquer aprendiz, o facto de eu ser o único deixava-me extremamente orgulhoso. O meu despediu-se, naquele momento ouvi pela penúltima vez a voz do mestre, «Ele vai ficar bem, não te preocupes.» disse a meu pai. Não sei explicar aquele tom de voz, era uma voz intensa parecia um eco reproduzido ao infinito como se fossem milhares de vozes em uníssono, divinamente combinadas, produzindo milhões de notas musicais em harmonia. Aquela voz fez o meu corpo vibrar, estremeci por todos os lados como se estivesse dentro de um sino.

Aprendi com ele, sempre em silêncio, a fazer as formas, os elfos, as cravelhas, a moldar o interior, todas as partes de um violino. De dia sentia-me sempre ocupado, olhando o trabalho divino de suas mãos, não era necessária qualquer comunicação oral, os seus dedos eram música autêntica, o modo como moldava tinha tanta harmonia que parecia estar assistindo à mais bela sinfonia alguma vez realizada. Os problemas apareciam à noite, jantávamos em silêncio absoluto juntamente com uma criada muda que preparava as refeições quase adivinhando aquilo que me apetecia comer. Apetecia-me gritar, não o fiz, por motivos claros de boa educação. O silêncio do dia era ocupado pela turbulência de pensamentos, naquela terra ninguém falava, sentia-se o vento mas este não silvava por mais forte que estivesse, pensava que a loucura se tinha apoderado da minha mente. Um dia, fui à aldeia e como suspeitava não ouvi qualquer palavra da boca de quem quer que fosse, todos sorriam, às vezes sentia entre os habitantes gargalhadas, gargalhadas silenciosas. O que mais me irritava era a sensação de uma harmonia perfeita entre todos os habitantes e a natureza. Reparei que todos cultivavam a terra, mas que não havia qualquer marcação de propriedades como se as pessoas soubessem mentalmente onde acaba a sua terra e começa a do vizinho, mas o mais impressionante era que todos se ajudavam mutuamente.

Certa noite não consegui dormir, devido à inquietude da mente. Amanheceu, não era hábito levantar-me tão cedo, caminhei pelas redondezas e ouvi… ouvi, por momentos pensei que era imaginação minha, ouvi um rouxinol, saltei, pulei de alegria. Aproximei-me em direcção ao maravilhoso chilrear, deparei-me com o mestre a tocar o seu violino misterioso. Era um violino, que o mestre por gestos me tinha proibido de tocar nele, até de me aproximar. Espreitei por detrás de uma árvore, vi o rouxinol a uns dois metros de distância do mestre. Esfreguei os olhos para ter a certeza daquilo que via, não estava enganado. Enquanto o mestre tocava, não se ouvia qualquer som produzido pelo violino, dava a sensação que o canto do rouxinol fluía para dentro do violino. O rouxinol por magia, foi o que me pareceu, ia perdendo a sua voz, como se o violino a engolisse desalmadamente. Fiquei louco, o único som que ouvia de há dois meses para cá, iria desaparecer. Corri, com todas as forças que tinha, para o mestre arranquei-lhe o violino das mãos e esmaguei-o contra uma pedra.

Aterrorizado, de olhos esbugalhados, vi sair dos destroços daquele violino imensos sons, vi e ouvi, pois os sons tinham ganho forma. Sons de vento, de chuva, vozes humanas, músicas indecifráveis…. Era difícil acreditar, as notas daquela intensa música, subiam em ritmos frenéticos, rodopiavam em cadências e depois aceleravam em infinitos arpejos… Olhei para o mestre enquanto este se desfazia em inúmeras notas musicais silenciosas que se ouviam apenas através da vibração, ouviam-se apenas com a alma. A última frase que o mestre me disse enquanto se evaporava em notas musicais – “Estragaste tudo, tentava levar este som harmonioso a todo o mundo, pelas tuas mãos, para que todos se entendessem pela música da alma, para que todos pudessem viver em perfeita harmonia com a Natureza.”

Fugi dali, assustado como um louco que tivesse presenciado o mais arrepiante ser sobrenatural. Passei pela aldeia, todos falavam. Vozes que evocavam desejos, paixões, os maiores recantos do ser…., e ninguém se entendia, uns marcavam as suas terras, outros corriam sem destino, outros cortavam árvores, chovia, chovia torrencialmente como se o céu exprimisse o seu fim num derradeiro dilúvio.

Hoje, passados 5 anos, li uma trágica notícia:
“ Homem da aldeia de P… mata com dois tiros de caçadeira o seu vizinho. O motivo ao que tudo indica foi uma discussão sobre os marcos que separavam os terrenos da vítima e do agressor.”

Eu acabei por destruir o violino, o único instrumento onde todas as vozes se podiam entender em perfeita harmonia. É tão pouco aquilo que nos separa…
Durante anos pensei que tinha dado voz a um povo, a um sítio, quando tudo o que fiz foi destruir o elo que podia ligar tudo e todos em divina harmonia, “a música da alma” como diria o meu mestre… Por vezes ouço essa música, o estranho é que parece que ninguém mais ouve…. O meu castigo…, provavelmente um castigo eterno.


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...e 100!

Para que conste na acta, é este número com a mesma fonia de “sem” que Eu me propus atingir quando decidi invadir o Blogger com um endereço novo.
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Sempre foi esta ocasião que quis assinalar, não números relacionados com o tempo ou com prezadas visitas; a cenoura que me fez trotar por aqui foi conseguir publicar 100 textos, de forma mais ou menos constante, que fossem minimamente perceptíveis e decifráveis para qualquer utente da língua portuguesa. E hoje, passados 123 dias, cá estou Eu a erguer o pelourinho. Reconheço, porque tem de ser, que o consegui com a ajuda de algumas personalidades benevolentes – os mEus convidados das quartas, que exibo orgulhosamente ali ao lado -, é verdade, mas isto é como se diz “Quem não tem cão caça com tigre (era para pôr leão, mas não quero ofender ninguém…); contudo, também ali fiz questão de deixar umas letrinhas só para nesta efeméride não ter de aturar o meu ego – que me perdoem a mistura.

Agora podia começar aqui a divagar sobre como foi uma experiência agradável e por vezes intensa; que isto é muito mais que mostrar palavras mais ou menos interiores; como é prestigiante e surpreendente saber que há pessoas que me lêem sem me conhecerem de lado nenhum; sobre amizades, que muito me honram, conseguidas a partir “disto”; acerca da importância cirúrgica de certos comentários; etc. e tal. Mas não o vou fazer, porque a minha escrita é tão incipiente que não tem espessura para sustentar dissertações tão profundas. Portanto, para além do assinalar desta marca, resta-me afinar a pedra para outro tipo de toque - a partir desta soma, como previsto nos estatutos, deixam de haver regras impostas pelo calendário ou pela matemática; os textos continuarão a aparecer, digo Eu, mas tanto podem cair aos magotes num dia, ou pingar em borrifos semanais. No mais, o figurino manter-se-á: o preto continuará como breu e o branco despropositado e aborrecido. E porque continuo a achar que uma coisa destas para ter interesse só pode existir suportada por algum talento na escrita, uma capacidade de absorver a vida para além das funções vitais e inteligência suficiente para conseguir mostrar estas qualidades de forma cativante, recomendo que se dirijam a outros endereços, que daqui não levarão interesse nenhum (só amor, como diria o outro).

Para finalizar, não quero deslargar esta data sem manifestar um sentido “espantecimento” – misto de espanto com agradecimento – com a constatação de que, ao longo destes textos, algumas pessoas foram achando que o que Eu escrevo merecia uma referência com ligação directa – vulgo, link – nos seus endereços, que com tanto primor vão mantendo; é mais um mistério da capacidade de sofrimento do ser humano. No mínimo, para além da canonização, esta gente merece aqui o meu reconhecimento e vénia, através da exposição dos seus blogs (envergonhem-se):

A Fábrica
Anastércio na país das maravilhas
Bananas da república
Blog Inha
Coisas-do-burro
Coisas do meu coração
Cruzeiro do Tejo
Fábulas
Improvisos da alma
Já que estás aqui...
O Meu mundo
Onde as mãos se dão
Um peixe chamado Vanda
Zona Franca

(se ocultei alguém, que esse alguém me perdoe ou me atire uma pedrinha)

Para além distas distinções, a que só faltou uma por parte do Presidente em término de mandato, fui plagiado 6 (seis!) vezes no Plagiadíssimo (mas isto Eu até entendo, já que o Zeca é uma alma das Maiores, e acha que assim me pode livrar da condenação eterna por parte dos administradores do Blogger…), e mais outras tantas pela mão dos meus convidados, esses sim, com pleno direito de lá estar.

Por tudo isto, só me resta amandar um Obrigado do tamanho do desconforto e da dificuldade que têm em ler estas palavras – se não fossem vocês só Eu é que lia isto.


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Do pior

Falar de maleitas cá no reino de “aquém mar” é como andar num escorrega de um qualquer parque aquático: sobe-se um bocadinho, mas depois é sempre a descer vertiginosamente até chaparmos na água fria com toda a força. É usual toda a gente ter guardadinho na sua sapiência casos ou tipologias de enfermidades bem piores e mais estapafúrdias que a nossa, ou que aquela que relatamos. Aliás, por vezes basta começarmos a coçar a perna para alguém vir logo com perguntas do tipo “Tens comichão na perna?” – esta é outra, perguntar sobre o que se está a constatar -, para depois adiantar uma história à laia desta “Tu vê lá, que o irmão do enteado da viúva do vizinho da minha prima Alzira também começou com uma comichãozinha na perna e quando foram a ver tinha um edema pulmonar e uma fibrose quistosa sebácea na virilha”…

E isto não tem idade, que não se pense que só as velhinhas é que estendem a sua hipocondria- não; se repararmos bem, toda a gente gosta de contar qualquer coisa de pior para “animar” o combalido: se se tratar de uma constipação, conta-se sobre uma gripe; se o caso for uma unha encravada, fala-se de gangrena; se estivermos perante uma gravidez, lá vêm os exemplos de fórceps; e por aí fora, para não entrar em situações desagradáveis.

Pode até ser inocente, Eu acredito que sim, mas que revela alguma falta de senso, não duvido. É que se isto assume laivos humorísticos em certas alturas (é engraçado as histórias disparatadas que se conseguem relacionar com picadas de mosquitos, por exemplo), também se dá o caso de tantas e tantas vezes se estar a meter a extremidade do membro inferior no charco, só com a ânsia de ir mais além na desgraça, sem nos apercebermos do quanto estamos mesmo a alimentar a própria desgraça.

Não pretendo alertar consciências, lembrei-me só de trazer este assunto à baila porque me lembrei das horas antes do nascimento da minha filha, e de como parte das quais foram partilhadas com uma futura avó que se esforçava para entreter quem desesperava com histórias de partos macabros; e se estas lembranças agora me chamam um sorriso, na altura fizeram-me ter vontade de cometer um crime mesmo antes de ser pai pela primeira vez.
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Bom fim-de-semana


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Até já (dizem eles)

Eu já estou a achar que isto da publicidade está a misturar-se com a realidade para além dos limites do admissível. Até aceito (não tenho outra opção...) que todo o comportamento de determinada marca se altere ou vincule pela estratégia publicitária ou até por um chavão - slogan, no esperanto publicitário -, mas daí a obrigarem o cliente ou utilizador a entrar no esquema vai uma grande distância, assim como daqui até ali.

Tudo isto porquê? Porque, como é do conhecimento das pessoas mais cultas, a nova frase publicitária da TMN (operadora de telefones moveis do Estado, ou semi, que às tantas já não sei) é Até já, e por mim tudo bem, ainda não tinha visto a lógica, mas tudo bem. Quer dizer, “tudo bem” só até à necessidade de contactar o oferecido número verde ou azul - tanto faz desde que não seja vermelho, que esta é uma cor que se paga bem, não é para ser usada por aí à balda - para tentar obter uma ajuda daquele tom cromático, ou de outro qualquer...

Liguei; a menina atendeu naquele automatismo surdo que debita as questões mesmo depois de já as termos revelado (um aparte: só para provar este autismo, Eu costumo responder à solicitação do nome com o nome e o número de cliente, isto para depois me inchar e dizer “Já disse” quando elas se saem com “O seu número de cliente” - mas isto sou Eu que sou ruim e não interesso nem às telefonistas, não desprestigiando); Eu expus o meu pedido de ajuda; ela ajudou; Eu desejo uma boa tarde e manifesto um agradecimento doentio; e ela pergunta se desejo mais alguma coisa (o que me deixa sempre num vai-não-vai para responder algo mesmo parvo, mas aguento-me que nem um elefante tetraplégico) e despede-se, aliviada, com “Obrigado e Até já”. Plim!

Ora, a menina diz-me “Até já”?! “Porque carga de água faz ela isto?”, perguntou-me a minha inocência, “Deve ser por causa da publicidade” gritei-lhe Eu, quase sem paciência. Executo escrupulosamente tudo o que ela me indicou; experimento e... nada! Fiquei na mesma! “Eh lá! Então era isto!”.

Ligo de novo; tudo repetido (as perguntas, as respostas e as entoações) e explico que já liguei mas que não obtive os resultados pretendidos com os esclarecimentos prestados. Novas indicações; novas despedidas; e no fim o teimoso “Até já”. Nem liguei, já tinha participado na patranha à primeira, pelo que aquilo só podia ser vício ou ordens superiores - “Pobrezita”.

...nada! NADA! Não consegui configurar “o aparelho” com as instruções dos “técnicos de apoio”!
Agora digam-me lá que não se está mesmo a ver o que os tipos que mandam lá naquilo estão a fazer para justificar uma frase publicitária? Nem mais! Dão instruções erradas e despedem-se com um “Até já” porque já sabem que temos de voltar e assim eles ficam todos contentinhos.

Eu estou plenamente convencido que foi isto que levou o sr. Belmiro a hostilizar a PT com uma OPA. Já o estou a ver: “Até já? Até já? Esperem aí que eu compro já essa m… toda”.
Bem feito, se Eu tivesse mais 374 euros fazia o mesmo.

NR1: resolvi o problema com o manual, que é para isso que aqueles livrinhos servem (primeira ponta atada)
NR2: como é óbvio, o sr. Belmiro tem telefones de todas as operadoras, porque os amigos também têm e ele assim gasta menos (segunda ponta atada e embrulho feito)


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Quarta (raio me parta) - convidado: Freddy

Quem não sabe quem é Freddy ponha o dedo no ar…
Tu aí e tu lá ao fundo vão já ao Zona Franca que andar pela esfera sem ter lido este blog é tão grave como ser um cristão português e nunca ter ido a Fátima.
(nem vou tecer considerações sobre o moço, que o parceiro a que ele se juntou para sustentar o blog – Agente Pingú; o estilo profusamente kitado e engenhoso do endereço, e a originalidade, inteligência e superior humor do conteúdo dos textos, dizem muito sobre o porquê da admiração que lhe devo)
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Freddynterpretações (o título fui Eu que dei, não o culpem)
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O meu poema favorito:

Rua Torta,
Lua Morta,
Tua Porta.

O meu comentário ao meu poema favorito:
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Esta obra-prima da poesia portuguesa, de autor desconhecido, revela-nos que a poesia pode ser simples, prática, objectiva e cativante quebrando assim alguns tabus sobre o decrescente interesse neste tipo de escrita por parte do cidadão quotidiano.
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Assim sendo, uma vez desmistificados alguns dogmas que impediam o acesso a poemas de fundo, toda a gente deveria ter algo a dizer sobre estas parcas linhas transcritas acima, nomeadamente através da promulgação de um referendo nacional e/ou outros instrumentos de consulta popular como seriam as sondagens da Marktest ou o telemarketing da Cofidis.
Se alguém me ligasse para casa a perguntar o que achava do poema acima eu diria:
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"É fácil, alguém se apaixonou pela astróloga Maya e deu com os cornos na porta de casa dela que por sinal se situa numa via tipo caminho de cabras, sem alcatrão nem sinalização..."


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