Doença ou Paciência?

Se há expressões e termos na nossa Língua que levantam interrogações acerca da sua lógica (algumas das quais Eu já desmontei aqui), outras parece que foram escolhidas a pinça, independentemente do enviesamento com que aparecem no contexto que as recebe. E dentro destas temos o termo paciente, utilizado para definir a clientela dos Senhores Doutores.
Para mim alguém que vai ao médico deveria ser chamado de doente, porque é para isso que aquela profissão foi inventada - para curar doentes -, ou, quanto muito, de expectante, caso daqueles que consultam (cá está o trocadilho do costume…) o consultório para ver “Se está tudo bem”; agora paciente? Porquê?
Foi com esta incongruência que Eu me enfezei durante anos da infância, o que me levava ao médico, ouvindo logo de chofre um “Então o que traz cá este pequeno paciente?”, e isto alimentava, por consequência, a fome da minha inquietação. Foi uma época de desassossego em espiral que quase me levou à demência irreversível. Claro que estou a impingir um exagero: primeiro porque Eu era um enfezado por natureza e não por isto ou por aquilo; e segundo porque a demência nunca quis nada comigo – dizem que é um estágio que só atinge quem pensa muito…. Contudo, usei esta hipérbole para alertar que desde sempre esta “terminologia vesga” ocupou a minha mente, mesmo quando devia era estraçalhar o mEu tempo a brincar com carrinhos ou com as minhas priminhas à descoberta sei lá Eu do quê.

Mas toda esta nebulosidade já sumiu - pelo menos esta parte da nuvem - já que com a “responsabilidade” do adultar Eu comecei a finalmente perceber o porquê do termo paciente. Então cá vai:
- paciente porque é preciso paciência para ir ao médico, quando num estado de debilitação seria mais lógico que a cura viesse até nós;
- paciente porque depois de lá chegar temos de esperar por atrasos alheios, tantas e tantas vezes em posse daqueles a quem era suposto tirar-nos a doença (em vez da paciência, digo Eu);
- paciente quando temos de aturar faltas de educação desde o inicio ao fim do atendimento – isto no serviço público de saúde, porque se for a pagar, o mesmo lobo veste logo a pele…;
- paciente para não chocarmos com atropelos à ética decorrentes da alteração radical a proscrições dadas por outro colega na semana anterior (como é que uma classe tão corporativista pode ser tão pouco solidária ou tão absurdamente errónea?)
- paciente para enfrentar diagnósticos invertidos, e às vezes estúpidos, com um ar respirado lá bem fundinho;
- paciente para pagar somas brutais, em algumas ocasiões só por um cumprimento que deveria ser gratuito e obrigatório;
- e, finalmente, paciente para, depois de ser paciente e paciente, continuar a admirar e confiar cegamente numa profissão que Eu acho ser uma das mais fascinantes que um ser humano pode ter – reforço ser humano, porque alguns parecem animais – visto ser das que mais requerem humanidade, para si próprio e para os outros.

E foram estas observações que me levaram a concluir que o termo paciente realmente é o mais correcto e abrangente. E ainda por cima a paciência é algo que deve contaminar a própria doença – é preciso ter paciência para ser paciente, e é aconselhada paciência depois.

3 Comments:

Blogger antónio paiva contribuiu com estas palavras sábias:

.....paciente, porque espera pacientemente, paga uma conta impaciente pacientemente, e ainda agradece da forma mais paciente possível..... ;)

fevereiro 27, 2006 11:07 da tarde  
Anonymous Anónimo contribuiu com estas palavras sábias:

Faltou o paciente para ainda ter paciencia para fazer um post sobre pacientes (ou paciências?..)

Não me digas que não admiras muito mais a profissão de blogger... eu acho que faz muito mais o teu género! :P

fevereiro 28, 2006 10:02 da tarde  
Blogger Carlos Estroia contribuiu com estas palavras sábias:

A paciência é virtude ou doença?

Abraços

fevereiro 28, 2006 10:24 da tarde  

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