O Monte, o Alpinista e o Pai Natal

Para o meu filho sou como o Everest. E não é pela minha altivez, magnificência ou pelo respeito que lhe suscito. Nada disso. O que se passa é que ele vê em mim o repto perfeito para pôr em prática as estratégias de escalada que parece engendrar durante as longas horas do dia que passamos apartados. Senão é vê-lo assomar-se, furiosamente, do meu corpo, quando ao fim da tarde me sento no sofá em busca de alguma atenção (ou, por vezes, na esperança de passar despercebido, confesso). Galga por mim, como se aquela fosse a primeira e a última vez, sem se importunar com os meus suplícios doloridos ou com os pedidos veementes, que saem com a força dos ventos mais agrestes que ele encontraria no referido acidente orográfico. Mas nada o detém. E com a agilidade dos felinos mais expeditos, depressa atinge triunfalmente o seu objectivo, recompensado com a tentativa balbuciante de se equilibrar - sem o apoio das mãos! - nos meus ombros. Não sem antes assinalar a façanha com um ou dois vigorosos murros no alto do meu crânio, como quem tenta espetar a bandeira do país de origem no topo de um qualquer cume gélido nunca antes testemunhado pela presença humana. Com o mesmo desembaraço, desce e, imagino, simula uma viagem de milhares de quilómetros que o deixará na presença de um novo desafio, já que a odisseia repete-se poucos segundos depois.

Por isso só me resta deixar aqui um pedido explícito ao simpático e anafado senhor das barbas brancas, e a todos os seus representantes, para que nos próximos anos não se lembrem de deixar na minha chaminé uma picaretazita ou umas botas cardadas. Espero, e desejo com todas as minhas forças, que daqui a 15 anos esta mania já lhe tenha passado, pelo menos no que a mim concerne, pelo que o pedido prescreverá a partir daí.